O melhor amigo do homem!


Eu tinha um cão, chamava-se Veludo
Magro, asqueroso, revoltante, imundo
Para dizer numa palavra tudo
Era o mais feio cão que houve no mundo

Recebi-o das mãos de um camarada,
Na hora da partida, o cão gemendo,
Não me queria acompanhar por nada
Enfim mal grado seu o vim trazendo

Trate-o bem. Verás como rafeiro
Te indicarás aos mais sutis perigos
Adeus. E que este amigo verdadeiro
Te console no mundo ermo de amigos

Veludo à custo habituou-se à vida
Que o destino de novo lhe escolhera
Sua meigosa pálpebra sentida
Chora o antigo dono que perdera

Nas longas noites de luar brilhante
Febril, cunvulso, trêmulo, agitado
A sua cauda caminhava errante
A luz da lua, tristemente uivando

Toussenel, Figuier e a lista imensa
Dos modernos zoológicos doutores
Dizem que o cão é um animal que pensa
Talvez tenham razão estes senhores

Lembro-me ainda, certo dia
Me vi livre daquele companheiro
Para nada Veludo me servia
Entreguei-o a mulher de um carvoeiro

E respirei. Já posso, dizia eu
Viver neste bom mundo
Sem ter que dar diariamente um osso
A um bicho vil, a um feio cão imundo

Gosto dos animais, porém, prefiro
A essa baixa raça aduladora
Um alazão inglês de sela ou tiro
Ou um gata branca e cismadora

Mau respirei, porém quando dormia
E a negra noite amortalhava tudo
Senti que a minha porta alguém batia
Fui ver quem é, abri, era Veludo

Saltou-me às mãos, lambeu-me os pés
Farejou toda a casa satisfeito
E, de cansado, foi rolar dormindo
Como uma pedra junto ao meu leito

Praguejei furioso. Era execrível
Suportar esse hospede importuno
Que me seguia como um miserável
Ladrão, ou como um pérfido gatuno

E resolvi-me enfim. Certo é custoso
Dizê-lo em voz alta e confessá-lo:
Para livrar-me desse cão leproso
Havia um meio só, era matá-lo

Zunia a aza fúnebre dos ventos
Só longe o mar na solidão gemendo
Arrebentava em uivos e lamentos
De instante a instante ia o tufão crescendo

Chamei Veludo, ele segui-me excitante
A fremente borraica me arrancava
Dos frios ombros o revolto manto
E a chuva meus cabelos fustigava

Despertei um barqueiro. Contra o vento
Contra de oriolas coléricas vagamos,
Dava-me forças o torvo pensamento
Peguei no remo e confusos remamos

Veludo à prôa olhava-me choroso
Como um cordeiro no final momento
Embora era fatal, era forçoso
Livrar-me, enfim, desse animal nojento

No longo mar, ergui-o nos braços
E arremessei-o às ondas, de repente,
Ele morreu, gemendo, os membros lassos
Lutando contra a morte era pungente!

Voltei a terra-lhas ao despir dos ombros meus o manto
Notei, ó grande dor! Haver perdido
Uma relíquia que eu prezava tanto
Era uma corrente de ouro que eu tinha muito

Contra o meu coração constantemente
No eterno abismo que devora tudo
E foi Veludo, foi esse cão imundo
A causa do meu mau. Ah! Se Veludo

Duas vidas tivera, duas vidas
Eu arrancaria àquela besta morta
E aquelas vis entranhas corrompidas
Nisto, senti uivos à minha porta

Corri, abri, era Veludo. Arfava
Estendeu-se aos meus pés e docemente
Deixou cair da boca que espumava
A medalha suspensa da corrente

Fôra crível, ó Deus! Ajoelhado
Junto ao cão, estupefado, absorto
Palpei-lhe o corpo, estava enregelado
Sacudi-o, chamei-o, estava morto.

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